Don Letts: do reggae ao punk, passando pelo cinema

Cineasta, DJ, músico. Se ainda parece pouco, vamos ao início da história, quando o rapaz de vinte anos era balconista de uma loja de roupas vintage. Don Letts, com seus longos dreadlocks, nasceu na Inglaterra. Filho de jamaicanos que deixaram a ilha em busca de uma vida melhor, gostava de reggae e dub, influência de seu pai, que trouxera consigo seu sound system.

O estilo de Don Letts: em 78 e nos dias de hoje.  |  fotos: reprodução internet
O estilo de Don Letts: em 78 e nos dias de hoje.

Era 1975 e o contador da loja Acme, na qual Don trabalhava, estava prestes a abrir – juntamente com outros sócios – aquele que viria a ser o principal ponto de encontro da cena punk que começava a nascer: The Roxy. Além de atender aos clientes da loja, Don Letts cuidava também da música do local – basicamente reggae – e era essa toda sua experiência como DJ. Mesmo assim, Andrew Czezowski, o tal contador, achou que ele levava jeito para a coisa e o convidou para ser DJ residente.

Eram poucos os discos de punk rock disponíveis no mercado nessa época, assim, Don tocava aquilo que mais gostava e conhecia, ou seja, dub e reggae. O público da casa também gostou e além das apresentações ao vivo de punk, The Roxy passou a ser também um lugar para ouvir música jamaicana.

Uma coisa leva a outra e Letts começou a registrar em super-8 o que via nas noites da Roxy. Tanto material acabou  gerando o documentário “Punk Rock Movie”, lançado em 1978. Além de outros documentários e inúmeros videoclipes de bandas, a carreira cinematográfica de Don Letts teve seu ponto alto em 1997, quando dirigiu, na Jamaica, “Dancehall Queen“.

Como DJ, Don aproximou-se de músicos como Johnny Rotten, do Sex Pistols e Mick Jones, do The Clash. Ambos tiveram grande importância na trajetória de Letts, por razões diferentes. Através de Rotten, foi para a  Jamaica pela primeira vez, como enviado da Virgin Records na busca de novos talentos (veja a história completa em “Johnny Rotten: caçador de talentos na Jamaica“). A viagem marcou sua vida, pois o colocou em contato com ídolos como Bob Marley, Burning Spear, Bunny Wailer e Peter Tosh.

Letts foi um dos vocalistas do BAD - Big Audio Dynamite.  |  foto: reprodução internet
Letts foi um dos vocalistas do Big Audio Dynamite.

Com Mick Jones, a história foi outra. Em 1984, pouco depois de sair do The Clash – com a qual Letts havia trabalhado em vários clipes – Mick formou uma nova banda, chamada Big Audio Dynamite (ou BAD) e convidou Don Letts para dividir os vocais e cuidar dos efeitos sonoros. A banda misturava gêneros como o punk, o reggae, a dance music, o hip hop e o funk. Sucessos como E=MC2, Contact e James Brown marcaram a carreira da banda.

Don Letts sempre foi muito ligado à musica jamaicana, especialmente com o reggae dos anos 1970, mais crítico e voltado às questões sociais. Atualmente, Don continua ativo no mundo musical através de seu programa semanal  de rádio na BBC6, tocando desde músicas mais antigas até lançamentos, de diversos estilos.

O pai de Don Letts, Duke Letts, foi DJ aos fins de semana, quando emigrou da Jamaica. Ele usava seu sound system para tocar rocksteady e bluebeat. Nesses momentos, após a igreja, a comunidade jamaicana podia se reunir e discutir seus problemas na nova terra. A conexão com a música continuou com Jet Letts, filho de Don, representante da terceira geração de DJs na família e produtor de dubstep, um estilo de música eletrônica que surgiu na Inglaterra.

Fiel à atitude do punk e, ao mesmo tempo, aos ideais do reggae, Don Letts é, sobretudo, alguém que acredita na cultura como forma de unir as pessoas. Mesmo que por acaso, deixou a vida de balconista para trás e dedicou-se a trabalhar com cultura, seja na música ou no cinema.

Assista ao documentário Superstonic Sound sobre Don Letts:

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Dread & Alive: quadrinhos com herói jamaicano

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A música pode despertar interesses que muitas vezes não têm relação direta com o universo musical. Através da música, causas são defendidas, histórias são contadas, lugares são descritos e têm suas belezas exaltadas; aprende-se sobre o amor e a dor de perdê-lo; pessoas importantes ou apenas muito amadas são homenageadas ou apresentadas ao mundo. Há pessoas que tiveram os rumos de suas vidas transformados a partir de uma canção, ou de várias. Foi o que aconteceu com Nicholas da Silva.

Brasileiro, com nacionalidade americana e vivendo nos EUA, Nicholas teve uma vida cheia de mudanças. O trabalho do pai, como engenheiro, levou a família a viver em diferentes partes do mundo, com todos os ajustes e adaptações necessários. Exemplo de mistura racial, Nicholas têm ascendência africana, indiana e holandesa, além da brasileira. No entanto, através do reggae, começou a se interessar pela Jamaica, por sua história e suas origens. Quando criança, o pai o levava frequentemente à biblioteca. Nicholas gostava particularmente de ficção científica e sentiu falta de histórias com protagonistas de origem africana. Resolveu, então, criar suas próprias histórias.

O brasileiro Nicholas da Silva, autor da série de quadrinhos Dread & Alive.  |  foto: reprodução internet
O brasileiro Nicholas da Silva, autor da série de quadrinhos Dread & Alive.

Em suas pesquisas sobre a Jamaica, Nicholas ficou muito interessado nos Maroons de Accompong. Comunidade autônoma, existe na Jamaica até os dias atuais e tem origem nos primeiros Maroons, africanos fugitivos que escaparam dos colonizadores, aliaram-se aos nativos Taínos e passaram a viver isolados. Sua resistência à escravização e exemplo de independência inspiraram a imaginação de Nicholas. Somou o reggae que amava a tudo isso e criou o herói Drew Mcintosh e a lenda de Dread & Alive.

Do autor, Drew herdou o gosto por viajar e experimentar outras culturas. Já um dos temas mais importantes das histórias de Dread & Alive é a preservação do planeta e dos direitos de seus habitantes, especialmente de Cockpit Country, região da Jamaica onde vivem os Maroons. Quando criou Drew Mcintosh, Nicholas até cogitou metê-lo numa malha verde, ao estilo do Batman ou do Homem-Aranha. Felizmente, reconsiderou e o que se vê hoje é um herói que, fisicamente, se parece com um rastafári, usa dreadlocks e roupas iguais a de qualquer jovem.

Antropólogo, aventureiro e guerreiro da causa ecológica, Drew possui um amuleto que lhe confere poderes. Quando tinha apenas 15 anos, seu mentor, Cudjoe, lhe deu esse amuleto que renova sua energia e lhe dá força para lutar contra os inimigos. Drew não gosta de lutar, mas não quer que o mal vença e faz de tudo para proteger os habitantes da Terra, sejam eles humanos ou animais.

Antes de lançar Dread & Alive, o autor desenvolveu a série de quadrinhos Hitless, totalmente digital e compatível com o Sony PSP e o iPod. Lançada em 2007, a série incluía uma trilha sonora representando o tema da história. O trabalho foi sucesso instantâneo e ganhos diversos prêmios. Porém, Dread & Alive já estava em seus planos e, assim, foi lançada em 6 de fevereiro de 2010 – não por acaso, dia do aniversário de Bob Marley. Juntamente com o número 1, foi lançado o site em que Da Silva incluía uma seção musical recheada do que ele chama de reggae consciente.

Os personagens principais de Dread & Alive e alguns dos produtos comercializados pela empresa de Nicholas da Silva.  |  fotos: reprodução internet
Os personagens principais de Dread & Alive e alguns dos produtos comercializados pela empresa de Nicholas da Silva

Essa ligação dos quadrinhos com a música despertou o interesse do selo Soul of the Lion, especializado em projetos especiais e de apelo criativo. Trocando ideias, chegaram aos Lost Tapes, compilações musicais que servem como trilha sonora das histórias de Dread & Alive. Já são seis volumes, com muito reggae e dub, para ouvir enquanto se lê as histórias ou para lembrar delas enquanto se ouve.

Além de roteirista e desenhista, Nicholas da Silva é empresário. Dono da Zoolook, agência que criou em 1996 – inicialmente para divulgar seus próprios projetos. Hoje, os quadrinhos e a música dão suporte a uma variedade de produtos ligados à série, que vão de simples camisetas a skates com imagens da saga.

A música mudou a vida de Nicholas e ele, com suas histórias e as canções que escolhe para acompanhá-las, está ajudando a mudar a cabeça das novas gerações, trazendo a elas valores que, se bem aprendidos, poderão mudar o mundo. Que assim seja!

Assista ao promo Dread & Alive’s The Lost Tapes – volume 5:

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A Jamaica é destaque também na literatura

2015 está chegando ao fim e tem sido um ano importante para a Jamaica. Começou com as comemorações do aniversário de 70 anos de Bob Marley, em fevereiro, e passou por conquistas inéditas em esportes nos quais a Jamaica tem pouca ou nenhuma projeção, como o tênis (com Dustin Brown), o futebol (desempenho da seleção na Copa América e na Copa Ouro) e a natação (com Alia Atkinson). No último mês de outubro, foi a vez da Jamaica virar notícia através da literatura.

O escritor e a capa de “Brief History of Seven Killings”  |  fotos: reprodução internet
O escritor e a capa de “Brief History of Seven Killings”

Marlon James, um escritor jamaicano de 45 anos, foi o vencedor do Man Booker Prize, prêmio literário concedido anualmente ao melhor romance publicado em inglês. O Man Booker é o principal prêmio da literatura britânica e um dos mais importantes mundialmente. Desde 2014, a premiação passou a considerar autores de qualquer país, desde que a obra tenha sido escrita originalmente em inglês e publicada no Reino Unido.

O romance “Brief History of Seven Killings” é o terceiro da carreira da Marlon James. Com cerca de 700 páginas, o livro trata de um episódio acontecido na Jamaica, em 1976: uma tentativa de assassinato contra Bob Marley e sua equipe, justamente antes de um show em prol da paz, em Kingston. Política, conflitos sociais e raciais são tratados no livro com certa dose de humor e através de inúmeros personagens.

Curiosamente, a narrativa é feita por 15 desses personagens. A cada capítulo, uma surpresa, pois o leitor nunca sabe quem será o próximo a contar a história. Nenhum deles, no entanto, é Bob Marley. Mesmo estando no centro da trama, seu nome não é sequer mencionado, sendo tratado sempre por “The Singer” (O Cantor).

Jornal destaca o atentado sofrido por Bob Marley.  |  fotos: reprodução internet
Jornal destaca o atentado sofrido por Bob Marley.

A história do próprio autor é também singular. Nascido em Kingston, é filho de mãe detetive e pai advogado, o que, de certa forma, lhe credencia a desenvolver boas histórias policiais. Na prática, porém, apenas neste último trabalho a temática policial entrou em cena. Seus dois romances anteriores (“John Crow’s Devil” e “The Book of Night Women”) eram romances de época, voltados a aspectos históricos da Jamaica.

Comum na trajetória da maioria dos escritores, a persistência foi uma das qualidades fundamentais para o sucesso de James. Seu primeiro romance foi rejeitado exatas 78 vezes antes de ser publicado. Talvez mais uma semelhança entre brasileiros e jamaicanos, pois, pelo visto, eles também não desistem nunca.

Apesar da premiação, que deverá alavancar ainda mais o sucesso do livro, a obra foi criticada – especialmente no Reino Unido – por utilizar gírias jamaicanas e também norte-americanas, do Harlem, além de palavrões. Para dificultar ainda mais a vida dos críticos, há um capítulo inteiro escrito em patois, o dialeto jamaicano. No Brasil, a Editora Intrínseca adquiriu os direitos do livro, mas ainda não há previsão do lançamento em português.

E como Jamaica sempre tem a ver com a música, o jornal britânico The Guardian pediu a James que elaborasse uma playlist relacionada ao livro. São cinco canções que, segundo o autor, abrangem os 15 anos em que a história se passa. Se você não consegue esperar pela edição nacional, leia em inglês, ouvindo abaixo as sugestões de Marlon James:

Arleen, do General Echo: um reggae dos anos 1970, que fala sobre o esquema de segurança domiciliar, comum na ilha naqueles tempos;

Under Me Sleng Teng, de Wayne Smith: espécie de dancehall caseiro, do início dos anos 1980;

The Bridge is Over, de Boogie Down Productions: hip-hop americano com conexão jamaicana, de meados dos anos 1980;

Mr. Loverman, de Shabba Ranks: canção que marca o renascimento do dancehall, no final dos anos 1980;

Ghetto Red Hot (remix), do Super Cat: um impressionante híbrido de hip-hop e dancehall, lançado no início dos anos 1990.

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Wickie Wackie Music Festival transformando o mundo

Em sua sexta edição, o Wickie Wackie Music Festival já faz parte do extenso calendário de eventos musicais da Jamaica. Este ano, o festival acontecerá nos dias 5 e 6 de dezembro. O local, é claro, será a praia de Wickie Wackie, em Bull Bay, que fica no sudeste da ilha, a cerca de 16 quilômetros da capital, Kingston.

Kumar Bent, vocalista do RagingFyah, banda que idealizou o WWMF.  |  foto: divulgação | On The Roots Photography
Kumar Bent, vocalista do RagingFyah, banda que idealizou o WWMF.

O WWMF, como é conhecido, foi idealizado por uma banda de roots reggae chamada Raging Fyah. Formada em 2006, a banda traz influências que vão de Bob Marley e Peter Tosh, passando por Inner Circle e Maroon 5. Além de excelentes intérpretes, escrevem suas próprias canções, baseadas em suas experiências, sonhos, objetivos e nas mudanças que pretendem para o mundo. O grupo, de fato, encara a música como uma missão, entendem que estão ligados espiritualmente, com o objetivo de fazerem música juntos e, através dela, mudar o mundo.

Para esta edição, o WWMF contará com toda a experiência e expertise da Touch The Road, agência local de turismo urbano e entretenimento. A ideia é transformar a área num enorme camping para abrigar o público do festival, além de proporcionar aos amantes do reggae opções de passeios por Kingston, St. Andrew e St. Thomas.

O WWMF não é apenas mais um festival musical. É um evento completo: além dos shows ao vivo, sessões de sound systems, instalações artísticas, atividades na praia e até um amanhecer acústico, ao som de tambores. Porém, a música é o elemento fundamental e alguns dos artistas confirmados são feras como Morgan Heritage, Mystic Revealers, Raging Fyah e Jesse Royal. Para as sessões de sound system e dub, nomes locais como Gabre Selassie e Yaadcore e internacionais, como Roots Revival Sound, da Polônia e Damalistik Roots Survival, da França (ouça abaixo).

Como já disse, a ideia do Raging Fyah é mudar o mundo através da música e eles não estão sozinhos. A banda é uma das representantes de um movimento que se iniciou na Jamaica e hoje já tomou proporções mundiais: o Reggae Revival.

O termo surgiu em 2011, pelo autor Dutty Bookman. Na época, ele identificava o início de uma conscientização a respeito do valor de aspectos culturais jamaicanos, tendo a música na linha de frente. De um modo mais simples, Bookman percebeu que estava acontecendo uma espécie de retorno às origens, como se as pessoas tivessem se dado conta de que certas tendências e modismos estavam colocando de lado a verdadeira qualidade artística na música e em outras artes.

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O que começou como uma referência para discussão nacional ganhou atenção pelo mundo. Prova disso é a recente e extensa matéria publicada na revista americana Vogue (clique aqui e veja a matéria). O Reggae Revival é uma verdadeira revolução cultural em curso. Além de Raging Fyah, Protoje, Chronixx, Jah9 e Addis Pablo fazem parte desse movimento.

O WWMF está chegando, mas ainda dá tempo de ir. A Touch The Road oferece um pacote de uma semana chamado Wickie Wackie Wanderers, com opção de hospedagem/acampamento e passe para fim de semana a partir de US$949. Os preços dos ingressos são os seguintes: US$18 para uma noite, antecipado, ou US$23, na bilheteria e US$38 para o fim de semana. Uma oportunidade de conhecer a Jamaica e assistir a shows incríveis, que farão parte de um novo capítulo da história da música jamaicana.

Assista à playlist de vídeos com alguns artistas presentes no WWWF 2015:

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O retorno dos rude boys

Já falamos aqui sobre uma profissão chamada cool hunter, ou caçador de tendências. Mais especificamente, falamos de Magá Moura, uma linda e antenada baiana, de apenas 26 anos, que tem se destacado no mundo da moda e lifestyle por seu estilo e originalidade. Hoje, um ano após a publicação daquele texto, me deparei com uma situação na qual pessoas acabam sendo cool hunters, mesmo que por acaso.

Na verdade, esse talento tem a ver com o poder de observação de cada um e, quando se trabalha com assuntos como moda, cinema e publicidade, por exemplo, o talento acaba sendo treinado. É como se para certas pessoas as tendências simplesmente saltassem aos olhos, enquanto para outras, passam despercebidas.

É assim que entendo o trabalho feito pelo cineasta Dean Chalkley e pelo diretor de criação Harris Elliott. Ambos são britânicos, amigos e parceiros de trabalho de longa data. Em 2012 – coincidindo com as Olimpíadas de Londres, a denominação de Usain Bolt como o homem mais rápido da Terra e também com o aniversário de 50 anos da independência da Jamaica – os dois amigos, individualmente, começaram a perceber uma mudança no código visual dos jovens negros.

Calças curtas e chapéus estilosos começaram a substituir as roupas esportivas exaustivamente usadas pelos cantores de rap e hip hop. Havia uma atmosfera de mudança no ar, então Chalkley e Elliott começaram a fotografar pessoas nas ruas, na tentativa de registrar as transformações e captar as tendências. Concluíram, então, estar diante do renascimento do estilo dos rude boys.

Esse assunto também já foi abordado aqui, mas vamos recordar. Rude boys era o nome que se dava às gangues que surgiram na Jamaica logo após a independência, em 1962. Bob Marley flertou com eles e até fez uma canção para tranquilizar sua mãe quanto às más influências (Simmer Down – ouça abaixo). Muitos jamaicanos emigraram para o Reino Unido e influenciaram culturalmente outros grupos de jovens como os mods e, posteriormente, os punks.

A cultura rude boy está ligada à construção da autoestima e também à determinação e criatividade desses imigrantes, dispostos a buscar seu lugar numa sociedade conservadora e racista. E foi exatamente isso que Chalkley e Elliott captaram através dos retratos: a expressão da nova geração de negros através de suas roupas, sua forma de vestir.

Ao contrário do que acontece num ensaio de moda, o trabalho realizado pela dupla não buscou o glamour. As pessoas foram fotografadas ao natural, com suas próprias roupas, nas ruas de Londres. Através de conversas com as pessoas fotografadas, chegavam a outras pessoas que igualmente serviriam de modelos.

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O trabalho gerou, primeiramente, uma exposição. Durante dez semanas, no verão londrino de 2014, esteve em cartaz na Terrace Galleries, na Somerset House. Além das fotos, houve eventos ao vivo, DJs e até uma barbearia no estilo rude boy. De quebra, foi exibido o filme “The Harder They Come”, intimamente ligado ao tema. Já em 2015,  a exposição seguiu para o Japão, no Laforet Museum Harajuku, em Tóquio.

Janelle e Gwen: visual estilo rude boy.  |  fotos: reprodução internet
Janelle e Gwen: estilo rude boy.

A exposição foi reunida no livro “Return of the Rudeboy”, lançado no último mês de junho. Além de um número ainda maior de fotos, há textos sobre a herança cultural dos rude boys e detalhamento da montagem da exposição em Londres.

Ao acaso, por treino ou vício profissional, os amigos Chalkley e Elliott acabaram por identificar e resgatar uma forte tendência. E as grifes, é claro, seguiram a onda. Marcas britânicas como Fred Perry’s e Brutus já lançaram suas coleções inspiradas nesse movimento, tão importante para formação da identidade cultural jamaicana. As cantoras Gwen Stefani, do No Doubt, e Janelle Monáe são duas adeptas do estilo.

Assista à entrevista de Harris Elliott e Dean Chalkley:

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Reggae: música de reis

Apesar de contemporâneos, eles nunca se cruzaram. Bob Marley, o rei do reggae, completaria 70 anos em 2015. Roberto Carlos, o eterno rei da música brasileira, está com 74 anos e continua em plena atividade. Prova disso é o lançamento, no último dia 18 de setembro, do clipe da gravação feita em maio, em Abbey Road – sim, o estúdio que ficou famoso com os Beatles. O disco, que será lançado no final do ano, faz parte do projeto Primeira Fila, da Sony Music, no qual cantores latino-americanos gravam em diferentes estúdios.

O álbum "É Proibido Fumar" (1964) | foto: reprodução internet
O álbum “É Proibido Fumar” (1964)

No caso de Roberto Carlos, o álbum será uma comemoração dos 50 anos de sua primeira gravação em espanhol. Esta faceta de sua carreira, que começou em 1965 com Mi Cacharrito, versão de O Calhambeque, tem sido muito promissora e Roberto é o único artista brasileiro a vender mais de 120 milhões de álbuns na América Latina.

Todas as regravações tiveram novos arranjos e nem todas serão cantadas em espanhol. Uma delas, Eu Te Amo, Te Amo, Te Amo, que está na trilha sonora da novela “Regra do Jogo”, da TV Globo, é uma versão reggae deste grande sucesso do finalzinho dos anos 1960 (assista ao clipe no final deste post).

Mas, por mais inusitado que possa parecer, há quem afirme que esta ligação entre Roberto e o reggae já aconteceu antes, mais precisamente em 1964, na canção Rosinha, do álbum “É Proibido Fumar” (ouça a faixa abaixo). De fato, o arranjo possui características muito peculiares ao ritmo jamaicano, como uma linha melódica de baixo e uma marcação rítmica de guitarra, embora não remeta exatamente ao que acostumou-se a ouvir – sobretudo a partir dos anos 70 e com Bob Marley – como reggae. A bateria no estilo “one drop”, por exemplo, é uma ausência importante.

E há pelo menos uma outra ligação (embora indireta) da obra de Roberto Carlos com a música jamaicana. De releitura em releitura, 30 anos após seu lançamento, em 1994, É Proibido Fumar foi regravada pelo Skank como faixa do álbum “Calango” e também está no ótimo disco tributo do mesmo ano, chamado “Rei”. A versão do Skank, que começou sua carreira tocando reggae, tem tudo a ver com a música jamaicana, mas no estilo dancehall. Compare abaixo a base usada pelo Skank com as das canções Oh Carolina (com Shaggy) e Tease Me (com Chaka Demus & Pliers) e note as influências.

Assim como Bob Marley, Roberto Carlos – que não deixa de ser Bob! – já teve suas músicas regravadas por inúmeros artistas. De Caetano Veloso a Titãs, de Maria Bethânia a Chico Science – aliás, com ótima versão de Todos Estão Surdos, também no álbum “Rei” – de Alcione a Marisa Monte. Quando se trata de um rei, não vale gostar ou não gostar, mas é preciso respeitar. Afinal, se não fossem mesmo bons, não seriam reis. E, neste caso em particular, mesmo o mais exigente fã de reggae irá se render à versão, que ficou bem “honesta”. Como diria o rei Bob (o da Jamaica): “Who feels it knows it”. Em bom português: quem sente, entende.

Assista ao clipe “Eu Te Amo, Te Amo, Te Amo”, de Roberto Carlos:

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Alia Atkinson: nadando contra a maré

Anualmente, são eleitos na Jamaica os melhores atletas do país. Competem separadamente homens e mulheres, esportistas de diversas modalidades. No ano de 2014 a premiação foi atípica: no masculino, Bolt não foi sequer indicado – deixando a vaga para outros medalhistas do atletismo – e o vencedor foi o boxeador Nicholas ‘Axe man’ Walters . Já entre as mulheres, após 40 anos foi indicada uma representante da natação e, mesmo competindo com atletas do porte de Shelly Ann Fraser-Pryce, Stephanie McPherson e Veronica Campbell-Brown (todas do atletismo), Alia Atkinson foi a vencedora.

Alia Atkinson em Doha 2014: alegria pelo recorde mundial e orgulho pela medalha de ouro.  |  fotos: reprodução internet
Alia Atkinson em Doha 2014: alegria pelo recorde mundial e orgulho pela medalha de ouro.

Também não era para menos. Em 2014, no Campeonato Mundial de Natação realizado em Doha, no Qatar, Alia não apenas venceu os 100 m nado peito como bateu o recorde mundial, tornando-se a primeira atleta negra campeã mundial de natação em piscina curta. Este ano, no Mundial de Kazan, na Rússia, conquistou medalha de bronze, a primeira em piscina longa (50 m) para a Jamaica.

Aos 26 anos de idade, Alia já participou de três Olimpíadas (Grécia, 2004, Pequim, 2008 e Londres, 2012). Na primeira, tinha apenas 15 anos e ficou deslumbrada com a presença de atletas renomadas como as irmãs Serena e Venus Williams. Já em Londres, esteve muito perto da medalha de bronze: menos de meio segundo.

Por ser uma ilha, seria natural imaginar que a Jamaica fosse uma grande produtora mundial de nadadores. Porém, não é o que acontece. Como se sabe, o atletismo é o esporte mais promissor do país. Alia Atkinson, contudo, começou a nadar muito cedo e na adolescência mudou-se com a família para a Flórida, EUA, onde logo começou a participar de competições.

A nadadora jamaicana é inspiração para muitas crianças que estão começando a nadar.  |  fotos: reprodução internet
A nadadora jamaicana é inspiração para muitas crianças que estão começando a nadar.

Hoje, além de atleta, Alia trabalha no International Swimming Hall of Fame, na Flórida. A instituição visa promover a natação tornando o esporte mais popular entre as minorias étnicas como chineses, negros e hispânicos. Segundo Alia, o objetivo é desenvolver a segurança na água e também a imagem da natação como esporte e lição de vida.

Como tantos outros atletas, Alia é dedicada e aprendeu desde muito cedo a abrir mão de uma rotina típica de qualquer jovem, com festas e baladas pelas madrugadas. Elegeu a natação como seu objetivo e trabalha sempre pensando no próximo desafio. No caso, o próximo grande desafio são os Jogos Olímpicos do Rio, em 2016.

Alia, que foi a porta-bandeira da Jamaica no Pan do Rio, em 2007, quer ver seu rosto em evidência novamente, nas piscinas e melhor ainda, nos pódios. Ela espera que a popularidade alcançada com suas recentes conquistas a ajudem a obter patrocínio para que possa intensificar os treinamentos e tornar seu sonho olímpico realidade.

Assista à final dos 100m nado peito, vencida por Alia, em Doha 2014:

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World a Reggae: Um supergrupo musical chamado SuperHeavy

Basicamente, vejo duas possibilidades para a formação de supergrupos musicais – aqueles em que pelo menos um ou dois integrantes são oriundos de outras bandas de sucesso ou já possuem uma sólida carreira solo. A primeira é que a vida de popstar é meio enfadonha e, de repente, o cara acorda agoniado, com vontade de fazer algo diferente. Daí, liga para uns amigos igualmente famosos e entediados e pronto.

O SuperHeavy reuniu rock, blues, pop, soul, jazz e reggae. | foto: divulgação
O SuperHeavy reuniu rock, blues, pop, soul, jazz e reggae.

A segunda é que o artista tem múltiplas facetas que nem sempre podem ser exploradas em seu status atual como membro de uma banda ou em sua própria carreira solo. Então, surge a ideia de um novo projeto. Ele entra em contato com outros músicos que conheceu ao longo da carreira e eles topam a empreitada. Além de mais glamourosa e de, certamente, render boas respostas nas coletivas de imprensa, é o que acontece muitas vezes.

Essas reuniões de feras geram resultados bem interessantes. Aqui no Brasil, o caso mais famoso e o único de que me lembro é o dos Tribalistas – Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown e Marisa Monte. Marisa foi gravar uma participação no disco de Arnaldo, que estava sendo produzido por Brown. Conversa vai, conversa vem, em pouco tempo já tinham canções suficientes para um disco.

Tudo isso aconteceu em 2002, o álbum vendeu mais de 1,5 milhão de cópias só no Brasil e os três nunca fizeram uma grande turnê. Apesar do enorme sucesso de músicas como Já Sei Namorar e a linda Velha Infância, cada um dos três continuou sua própria carreira, em sua própria tribo.

Mundo afora a lista de supergrupos é enorme, desde os mais antigos como Cream, de Eric Clapton, passando por Emerson, Lake and Palmer, Temple of the Dog e Foo Fighters – este último, inclusive, mais duradouro do que os grupos de origem, como o Nirvana.

Encontro histórico: Bob Marley, Mick Jagger e Peter Tosh.  |  foto: reprodução internet
Encontro histórico: Bob Marley, Mick Jagger e Peter Tosh.

Em 2011 surgiu o SuperHeavy,  formado por Mick Jagger, Joss Stone, Dave Stewart (Eurithmics), A. R. Rahman (produtor de trilhas sonoras) e Damian Marley. Analisando em partes dá para encontrar se não similaridades, pelo menos intersecções entre seus trabalhos. Mick Jagger é puro rock, mas também blues e pop. Joss Stone faz mais a linha soul e R&B, mas também é blues e jazz. Dave Stewart é pop rock, Rahman é um músico indiano e Damian Marley é reggae, claro!

A história é mais ou menos assim: Dave Stewart comprou uma casa na Jamaica. Ouvia muita música vinda das ruas e ficou inspirado para começar algo novo. Queria misturar estilos, pensou em juntar orquestração indiana que ele e Jagger já curtiam.

Mick Jagger, por sua vez, já flertava com o reggae desde os anos 1960, quando dançava nos clubes jamaicanos, em Londres. Lá, ele conheceu Bob Marley quando este gravava “Catch A Fire”, com The Wailers – seu primeiro disco pela Island Records, de Chris Blackwell. Finalmente, em 1978, Jagger e Peter Tosh fizeram um dueto na versão reggae da canção Don’t Look Back, dos The Temptations (assista abaixo).

Em 2004, no remake do filme “Alfie”, com Jude Law no papel principal, Jagger e Stewart produziram a trilha sonora e participaram de várias canções. Uma delas, Old Habits Die Hard, foi a vencedora do Globo de Ouro 2005, na categoria de melhor canção original. Joss Stone também participou em duas faixas dessa trilha.

Joss Stone e Damian Marley: parceria além do SuperHeavy. | foto: reprodução internet
Joss Stone e Damian Marley: parceria além do SuperHeavy.

Anos depois, em 2009, Joss Stone, dona de uma bela voz feminina, participou do disco “Y Not”, do beatle Ringo Starr. Dave Stewart também trabalhou nesse disco e talvez aí tenha surgido mais uma conexão. Em 2011, Stewart foi o produtor do quinto álbum de Joss, “LP1”.

Muito incentivada por Damian Marley, seu companheiro de SuperHeavy, Joss Stone lançou, no último mês de julho, um álbum de reggae chamado “Water For Your Soul”. Damian participou como co-produtor e também em alguns vocais e letras. Ouça acima playlist especial com algumas das principais faixas do disco.

A. R. Rahman, cuja carreira na Índia já era um sucesso, levou nada menos que dois Oscar em 2009, pela melhor trilha sonora original e melhor canção original do filme “Quem Quer Ser um Milionário?”. Por fim, Damian veio para representar a Jamaica e arrematar esse quebra-cabeça musical.

Feitas as análises e voltando ao SuperHeavy, foram dois anos de trabalho secreto, até o lançamento do álbum de mesmo nome do grupo, em 2011. Eles se reuniam em Los Angeles com o objetivo de “escrever canções que tivessem significado”. Miracle Worker foi a primeira faixa lançada como single e também num clipe no YouTube.

Não houve consenso nem de crítica, nem de público. Apesar do álbum ter ficado entre os 30 primeiros no Billboard 200, faltou divulgação e as vendas foram fracas: apenas 33.000 cópias no lançamento. Gostoso de ouvir e com músicas bem elaboradas, o álbum não decolou. Talvez, dizem alguns, tenha se perdido na vontade de ser tudo para todos. Talvez, penso eu, tenha sido um projeto de músicos para músicos: foi prazeroso e divertido fazer. Não fez sucesso? Paciência, vamos em frente.

Assista ao clipe “Miracle Worker”, do SuperHeavy:

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OMI: um novo sucesso, direto da Jamaica

Filhos adolescentes sempre são uma ótima antena para captar tendências, especialmente quando se trata de música. Semana passada, minha filha estava assistindo a um vídeo de uma viagem que fez com a escola, quando uma música me chamou a atenção. Ela, é claro, já cantarolava trechos da canção. Poucos dias depois, a surpresa: um dos membros da equipe do Jamaica Experience descobriu que se tratava de um cantor jamaicano.

Na escola, seu nome era Omar. Agora, ele é conhecido como OMI. | foto: divulgação
Na escola, seu nome era Omar. Agora, ele é conhecido como OMI.

Omar Samuel Pasley, mais conhecido como OMI, é o cara por trás de Cheerleader, que já chegou ao primeiro lugar do Hot 100 da Billboard. Superdançante e com destaque para instrumentos como sax e trompete, essa música também já alcançou impressionantes 90 milhões de streams no Spotify e à liderança no iTunes em 14 países, como Alemanha, Austrália e Suécia.

Apesar de ter sido lançada na Jamaica em 2012, Cheerleader estourou mundialmente em 2015, após ser remixada pelo DJ alemão Felix Jahen. O rapaz tem boa mão, pois um outro remix seu também anda fazendo grande sucesso na Europa: Ain’t Nobody (Loves Me Better) – originalmente apenas Ain’t Nobody, com Rufus e Chaka Khan – na voz de uma adolescente (apenas 15 anos!) chamada Jasmine Thompson.

Mas vamos aos fatos que nosso negócio é Jamaica.

OMI nasceu na zona rural da Jamaica e começou a compor aos 14 anos. Ele e seus colegas de escola faziam pequenas performances nos intervalos das aulas e Omar passou a ser reconhecido como um talento e encorajado a encarar-se mais seriamente como músico.

Seguindo influências – que vão de rappers como Tupac, Biggie e Eminem a cantores como John Legend e Nat King Cole – e motivado pela importância dos ritmos jamaicanos no universo musical, OMI gravou seu primeiro material com um selo jamaicano independente chamado Oufah. Um pouco depois, em 2009, conheceu Clifton Dillon (ou the Specialist), que colocou seu estúdio à disposição.

OMI foi convidado especial de Taylor Swift em San Diego.  |  foto: reprodução internet
OMI foi convidado especial de Taylor Swift em San Diego.

Quando OMI mostrou a Dillon os primeiros versos de Cheerleader, ele disse: esta é “a” canção, o hit! Trabalharam juntos nela um pouco mais e logo viram-na fazer sucesso no Havaí. Porém, OMI só teve a dimensão da potência dessa canção quando a apresentou ao vivo e pôde sentir a reação das pessoas.

O remix de Jahen embelezou o hit e, de forma pouco usual para um remix, não escondeu as palavras. Aliás, são elas a parte do trabalho como músico que OMI mais aprecia. Ele tem vários sucessos na Jamaica como Take It Easy, Fireworks e Color Of My Lips, mas agora está se preparando para consolidar sua carreira de forma global.

Enquanto produz o álbum que incluirá a canção que o tornou conhecido, OMI tem feito turnês pela Europa e nos EUA. Ciente do quanto a música é passageira (especialmente para os adolescentes de hoje), OMI quer que Cheerleader represente em sua carreira um começo promissor, mas quer que todos se lembrem dela como apenas o começo. O clipe de Hula Hoop estará no ar em breve (já dá para ouvir) e o álbum, “Me 4 U”, está previsto para outubro.

Assista ao clipe “Cheerleader”, do cantor jamaicano OMI:

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Dancehall Queens: o poder de uma dança

Carlene Smith, a primeira DHQ.  |  foto: reprodução internet
Carlene Smith, a primeira DHQ.

O dancehall surgiu na Jamaica nos anos 1960, nas festas embaladas pelos sound systems. De lá para cá, passou por diversas fases, com letras ora mais sexualizadas, ora mais espiritualizadas e com canções mais ou menos dançantes. Nos anos 1990, machismo, sexo e homofobia eram temas recorrentes e por essa época, surgiram concursos para eleger a Dancehall Queen (DHQ), algo como a rainha do baile.

A primeira delas foi Carlene Smith, coroada em 1992. O sucesso do evento fez com que se tornasse oficial e passasse a existir anualmente a partir de 1996, sempre realizado em Montego Bay. O ritmo e a dança, talvez mais facilmente propagados pela internet, caíram no gosto de muitos outros países e, atualmente, são realizados concursos semelhantes nos Estados Unidos, na Europa (Alemanha, Finlândia e Itália, por exemplo) e também na Austrália e no Japão.

Do Japão, aliás, veio a vencedora do concurso internacional de 2002. Junko Kudo foi a primeira não jamaicana a vencer e sua conquista estimulou inúmeras outras dançarinas a participar, tornando a competição de interesse mundial.

Contudo, assim como acontece com as dançarinas de funk no Brasil, as dançarinas de dancehall jamaicanas sofrem preconceito. Além da dança ser extremamente sexualizada, os figurinos são sempre muito justos, curtos, decotados e, em geral, resultam em pouca roupa em corpos com muitas curvas.

Além das reclamações de pais que não querem ver suas pequenas garotinhas imitando o que veem na TV (qualquer semelhança com nossa Anita não é coincidência), há uma discussão um pouco mais complexa por trás de tudo isso. Essas mulheres estão sendo submissas ao sobreviver a partir da exposição de seus corpos para o público masculino ou, ao contrário, têm absoluto controle da situação por atrair e manipular massas de marmanjos?

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O assunto é polêmico e por isso mesmo ótimo tema de discussão. Tanto é que já gerou vários filmes e documentários, dos quais vamos destacar dois. O primeiro é “Dancehall Queen”, um filme mais antigo, de 1997, que conta a história de Marcia Green, uma mãe solteira que trabalha como vendedora ambulante e tem dificuldades para criar duas filhas adolescentes. Além disso, Marcia enfrenta problemas com dois homens: Larry – uma espécie de tio que, além do gosto por armas, está de olho em uma de suas filhas – e Priest – o assassino de sua amiga. Marcia cria, então, uma nova versão de si mesma e sob a identidade de Mystery Lady participa de um concurso de dancehall, conseguindo colocar os dois homens um contra o outro.

O filme conta com a direção do britânico Don Letts, que além de cineasta é músico, DJ e já produziu inúmeros vídeos para bandas como The Clash, The Pretenders e Big Audio Dynamite.

A dancehall queen japonesa Pinky está em "Bruk Out!"  |  foto: reprodução internet | Cori McKenna
A dancehall queen japonesa Pinky está no documentário “Bruk Out!”

O segundo é um documentário, cujo lançamento está previsto ainda para este ano. “Bruk Out!” é dirigido por Cori McKenna, editora da HBO, e segue seis das melhores DHQs do mundo, vindas do Japão, Itália, EUA, Polônia, Espanha e, é claro Jamaica, enquanto elas se preparam para a maior competição mundial de dancehall.

Cada uma delas tem sua história pessoal e suas próprias razões para ter entrado no mundo do dancehall. A espanhola Raquel, por exemplo, aturava um marido violento, até que decidiu trocar a dança moderna pelo ritmo jamaicano. Bianca, a dançarina da Jamaica, é um tipo plus size e diz não sentir preconceito em seu país, ao contrário do que acontece nos EUA.

Segundo McKenna, algo que lhe chamou a atenção entre as protagonistas do filme foi o clima de total respeito e admiração mútuos. Apesar de estarem numa competição, são abertas e receptivas tanto entre si, quanto com o público que lhes assedia. Sua grande dificuldade, porém é falar de si mesmas, de sua intimidade. Talvez, seja uma forma de resguardarem o poder que estão começando a conquistar a partir  do dancehall.

Assista ao trailer do documentário “Bruk Out!”, de Cori McKenna:

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