Música jamaicana: muito além de Bob Marley

m Kingston, homem mostra, orgulhoso, uma de suas obras: uma potente caixa de som. - Foto: Kadu Pinheiro
Em Kingston, homem mostra, orgulhoso, uma de suas obras: uma potente caixa de som. - Foto: Kadu Pinheiro

Esqueça o termo “terceiro mundo”. Quando se trata de música, a Jamaica é uma das grandes potências mundiais. Terra de outros grandes nomes da música que atingiram o estrelato internacional, como Peter Tosh e Jimmy Cliff, a ilha é conhecida também por ter exercido grande influência na música e cultura pop mundiais ao longo das décadas.

Músicos jamaicanos durante sessão de estúdio, em Trenchtown, Kingston.  |  foto: Kadu Pinheiro
Músicos jamaicanos durante sessão de estúdio, em Trenchtown, Kingston. | foto: Kadu Pinheiro

Da invenção do mento e do ska à explosão do reggae, passando pela revolução tecnológica do dub até a febre dançante do dancehall, são muitas as razões que fazem desta pequena ilha do Caribe um lugar fascinante do ponto de vista musical. Há quem diga que a Jamaica está para a música como o Japão para a tecnologia, considerando sua pequena extensão territorial, inversamente proporcional à sua capacidade criativa e de antecipação de tendências para o mundo.

O mento (ouça abaixo o grupo The Jolly Boys) é considerado o primeiro gênero genuinamente jamaicano, e surgiu no início dos anos 50 a partir das influências que os músicos, residentes principalmente no interior da ilha, absorveram do calypso (ritmo caribenho originário de Trinidad e Tobago). Utilizando instrumentos como o banjo, chocalhos e a “rhumba box” (espécie de caixa acústica que conferia o aspecto grave às canções), o mento teve papel fundamental na música jamaicana por ter influenciado diretamente o ska e o reggae.

A partir do desenvolvimento do ska e do rocksteady, a música jamaicana ganhou importância e notoriedade na indústria musical fora da Jamaica, primeiro no Reino Unido e depois nos mercados americano e mundial. Combinando elementos caribenhos como o mento e calypso e estadunidenses como o jazz, jump blues e rhythm and blues, os músicos jamaicanos criaram o ska, um ritmo alegre, dançante e cheio de harmonia. O The Skatalites (ouça abaixo um de seus hits) foi a primeira banda a gravar este gênero em estúdio, tendo acompanhado grandes nomes da música jamaicana em seu início de carreira.

O rocksteady, por sua vez, diferenciava-se do ska por seu ritmo mais lento e suas letras voltadas a temas sociais e políticos. Por este motivo, teve grande penetração entre os chamados rudeboys à época (leia mais em O estilo e a truculência dos rude boys) e pode ser considerado um elemento de ligação entre o ska e o reggae. Desmond Dekker (ouça abaixo), primeiro artista jamaicano a chegar ao topo das paradas britânicas, é uma das maiores referências entre os músicos adeptos deste gênero musical.

Foto: reprodução internet
Ilustração em capa de disco com Lee Perry e King Tubby: figuras fundamentais.

Ainda no final dos anos 50 e início dos 60, os operadores dos sistemas de som, que futuramente seriam chamados de Disc-Jockeys, ou DJs, foram os responsáveis pelo início de uma revolução que colocou a Jamaica definitivamente no mapa da música mundial. Eles percorriam a ilha com suas “discotecas móveis”, antecipavam tendências musicais ao público e, sem perceber, criavam uma cultura que sobrevive até hoje em festivais por todo o planeta: a cultura Sound System.

Lee “Scratch” Perry, que está na lista dos 100 artistas mais importantes de todos os tempos da revista Rolling Stone, ao lado de King Tubby, foram os gênios responsáveis por levar a música jamaicana num caminho sem volta rumo à inovação sonora quando, ao inventarem o Dub, definiram as bases sobre as quais a indústria da música pop viria a se apoiar mais tarde. Suas técnicas de mixagem e “agenciamento de sons” estão hoje na base da totalidade da produção musical em todo o mundo (ouça abaixo uma das muitas produções da dupla Perry e Tubby). “Sem dub não haveria hip-hop, techno, drum’n’bass, ou mesmo o mais recente sucesso da Britney Spears ou do Zeca Pagodinho”, afirmou certa vez o antropólogo Hermano Vianna em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo.

Foto: Kadu PinheiroQuadro pintado à mão por artista jamaicano com o lendário Peter Tosh.  |  foto: Kadu Pinheiro
Quadro pintado à mão por artista jamaicano com o lendário Peter Tosh. foto: Kadu Pinheiro

O reggae, gênero jamaicano mais famoso mundialmente, tem no ska e no rocksteady seus precursores imediatos e em Bob Marley seu maior expoente. No período que compreende as décadas de 1970 a 2000, o estilo viveu sua “golden era” e revelou para o mundo talentos musicais do porte de Jimmy Cliff, Gregory Isaacs, Dennis Brown, Yellowman, Shabba Ranks, Shaggy e tantos outros.

Bob Marley transcendeu qualquer rótulo, e tornou-se um dos músicos e personagens mais importantes de toda a história da música. “Legend” (1984) sua coletânea mais conhecida (ouça abaixo, na íntegra), vendeu mais de 20 milhões de cópias e é o disco de reggae mais vendido de todos os tempos.

Ir à Jamaica significa adentrar naturalmente em um universo de energia musical. A ilha inspira à música, com seus estúdios – alguns deles mundialmente consagrados e até hoje muito procurados por artistas e produtores musicais de todo o mundo – e o inequívoco talento do seu povo para esta arte. A música está em toda a parte, das festas de dub, reggae ou dancehall (este último a febre do momento por lá) espalhadas pela capital Kingston, à quase onipresença de Bob Marley, Peter Tosh e outras lendas do reggae pelos quatro cantos da ilha. A cantora jamaicana Tessane Chin (leia Tessane Chin, uma das (grandes) vozes da Jamaica), vencedora da última edição do The Voice USA, parece confirmar a vocação. Como se diz por lá, “once you go, you know”. Em bom português: se você for, você entende.

Ouça a coletânea “Legend”, de Bob Marley & The Wailers, na íntegra:

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Laerte Brasil

Por Laerte Brasil

Jornalista e redator publicitário, possui verdadeiro fascínio por música e cultura jamaicanas há mais de 20 anos. Já desenvolveu projetos culturais sobre a Jamaica e é autor de diversos artigos e matérias relacionadas à ilha. Em sua recente visita ao país caribenho, voltou com uma ideia fixa na cabeça: a de fomentar o acesso à verdadeira cultura jamaicana no Brasil.