Reggae Legends: Desmond Dekker

Embora muitas pessoas pensem que Bob Marley tenha sido o primeiro artista de reggae a alcançar um grande público branco, foi Desmond Dekker quem teve os singles de maior sucesso nos mercados inglês e norte-americano, além de ter sido o primeiro cantor de reggae a alcançar o topo das paradas britânicas. Nascido Desmond Dacres em Kingston, Jamaica, em 16 de julho de 1941, foi ele quem possibilitou o primeiro contato de muitos ouvintes com o reggae fora da Jamaica. Seu acentuado sotaque jamaicano era um som extremamente improvável e causou estranhamento nos tradicionais mercados britânico e norte-americano na década de 1960.

Os primeiros singles de Dekker foram lançados pela Beverley's Records  |  foto: reprodução
Os primeiros singles de Dekker foram lançados pela Beverley’s Records | foto: reprodução

Dekker iniciou sua carreira de cantor na Jamaica, como o homem de frente do Aces, uma banda de estúdio montada pelos produtores Duke Reid e Lloyd Daley. Sob a orientação de Leslie Kong, um empresário “jamaicano-chinês” que dirigia a Beverley’s Records em Kingston, ele conseguiu relativa exposição e status. Em 1963, emplacou a música “Honour Your Mother and Your Father”, feito que lhe rendeu o lançamento do single na Inglaterra pela Island Records, de Chris Blackwell, no ano seguinte.

Mas o início do sucesso internacional de Dekker viria com o lançamento de “007 (Shanty Town)”, em 1967, que conquistou o Reino Unido e alcançou o top 20 das paradas, durante um período conhecido como a “rude-boy era”, em que artistas jamaicanos costumavam cantar sobre sua condição social e econômica, que por sua vez os colocavam numa perspectiva de marginalidade em seu próprio país. Neste mesmo ano, Dekker fez sua primeira visita à Grã-Bretanha e ficou surpreso ao saber que sua música havia se tornado um hit por lá, já que para ele as pessoas não entendiam suas letras, cantadas em patois jamaicano, com um sotaque muito particular.

Sua maior conquista, no entanto, viria em 1969 com o lançamento do single “Israelites”, que chegou ao topo das paradas britânicas em março e emplacou o nono lugar nas paradas americanas em junho daquele mesmo ano. A canção vendeu mais de 5 milhões de cópias e também atingiu o topo das paradas em países como Canadá, Holanda, Bélgica e Alemanha, estabelecendo novos patamares globais para o gênero jamaicano até então. A música foi um sucesso até mesmo na era do Apartheid na África do Sul – em que pese a ironia da situação, já que a a letra tratava de temas como pobreza e opressão. Dekker fazia questão de lembrar que “Israelites” era, essencialmente, um comentário sobre os problemas econômicos e sociais da Jamaica: “Eu simplesmente escrevi sobre o que via acontecer, mas as pessoas no Reino Unido gostaram da melodia, ainda que não entendessem exatamente o que a música queria dizer”.

Embora o público tivesse abraçado o sucesso do single, o seu caminho para integrar o “mainstream” musical não foi nada fácil. A BBC, principal transmissora britânica, inicialmente recusou a gravação alegando baixa qualidade de produção, mas foi forçada a tocá-lo mais tarde devido à crescente demanda de público. “Israelites” ainda retornaria às paradas inglesas, em uma regravação de 1975, quando alcançou a posição de número 10 no ranking das mais tocadas.

O que é especialmente intrigante, particularmente nos Estados Unidos, é a forma como a música alcançou tamanho sucesso valendo-se de intonação vocal, sotaque e sincopagem rítmica completamente estranhas aos ouvidos do público branco e “mainstream” da época.

A música título do LP "Israelites" foi um dos maiores sucessos de Desmond Dekker  |  fotos: reprodução internet
A música título do LP “Israelites” foi um dos maiores sucessos de Desmond Dekker | fotos: reprodução internet

Mas apesar do sucesso do single, o reggae ainda estava longe de representar uma força em termos de vendagem de disco como estilo musical nestes mercados. O LP de “Israelites”, por exemplo, alcançou apenas a 153ª posição nos Estados Unidos durante suas breves 3 semanas na lista. No entanto, a faixa-título foi a primeira gravação de reggae a ter impacto comercial real  nos Estados Unidos, precedendo em 6 meses o primeiro hit de Jimmy Cliff por lá (“Wonderful World, Beautiful People”) e em quatro anos o primeiro ábum de sucesso de Cliff naquele país. Para se ter uma ideia do que isso representa, Bob Marley jamais teve uma música nas paradas de sucesso americanas, e não havia alcançado o ranking de vendagem de discos no mercado americano até o ano de 1975.

Desmond Dekker ainda lançou dois singles em seguida: “It Mek” (1969) e “You Can Get It If You Really Want” (1970) – esta última, composição de Jimmy Cliff. Ambas estiveram na lista britânica dos top 10, mas não gozaram do mesmo impacto nos Estados Unidos. Dekker mudou-se para a Inglaterra em 1969, com o objetivo de fazer crescer sua carreira, que viu declinar quando, em 1971, perdeu seu mentor e parceiro musical, Leslie Kong, que ainda produzia suas faixas na Jamaica. A partir daí, Dekker nunca mais se recuperou, embora suas músicas tenham voltado à tona no final dos anos 70 e início dos 80, durante o “revival” britânico dos movimentos ska e rocksteady.

Ele ainda gravaria, sem sucesso, dois álbuns para o selo de “New Wave Punk” Stiff Records, falido em 1984.

Desmond Dekker morreu em decorrência de um ataque cardíaco em 2006, aos 64 anos, mas seu lugar está permanentemente garantido na história da música.

Desmond Dekker foi o primeiro artista jamaicano a ser considerado uma lenda do reggae | foto: reprodução internet
Desmond Dekker foi o primeiro artista jamaicano a ser considerado uma lenda do reggae | foto: reprodução internet

Ouça a coletânea “Israelites: The Best of Desmond Dekker”

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Laerte Brasil

Por Laerte Brasil

Jornalista e redator publicitário, possui verdadeiro fascínio por música e cultura jamaicanas há mais de 20 anos. Já desenvolveu projetos culturais sobre a Jamaica e é autor de diversos artigos e matérias relacionadas à ilha. Em sua recente visita ao país caribenho, voltou com uma ideia fixa na cabeça: a de fomentar o acesso à verdadeira cultura jamaicana no Brasil.