São inúmeras as coincidências entre a Jamaica e o Brasil. O poder de transformação que o futebol pode exercer na vida de um atleta é uma delas. Além das óbvias questões relativas à saúde, o futebol provoca uma intervenção social, facilita o acesso à educação, transforma-se em trabalho e em uma melhor oportunidade de vida para as classes sociais menos favorecidas. A história do futebol feminino jamaicano, em especial, é fascinante.
Tudo começou nos anos 1970, com uma atleta chamada Beverly Ranger. Nascida na Jamaica, mudou-se aos 12 anos para a Inglaterra e começou a jogar futebol com garotos, num parque perto do estádio de Wembley. Foi notada por um jornalista e jogou em dois times ingleses (o Watford e o Amersham Town), antes de partir para a Alemanha, em 1974. Lá, ficou conhecida como Black Pearl, a pérola negra. Foi a primeira jogadora a receber um salário, ganhou prêmio pelo gol do mês (desbancando muitos marmanjos!) e foi a primeira mulher a ser patrocinada pela Puma.
O talento de Beverly popularizou o futebol feminino na Alemanha, muito antes da criação da Bundesliga Feminina, em 1990/91. Os estádios ficavam lotados para assistir àquela que foi também chamada de “Pelé feminina”. Os alemães, é claro, investiram e profissionalizaram o esporte e vêm colhendo resultados: nos seis campeonatos mundiais já realizados, obteve um quarto lugar (no primeiro, em 1991), um segundo lugar (1995) e dois títulos, em 2003 e 2007.
A Associação Jamaicana de Futebol Feminino foi criada em 1980 e a Liga Feminina, com 6 times, apenas em 1990. Foi um desenvolvimento lento, não por escassez de talentos, mas de recursos e vontade política. Mais coincidências… Considerando-se que o futebol é o esporte que mundialmente mais cresce entre as mulheres (sendo que o número de participantes quase dobrou entre 2000 e 2010), seria esperado um grande interesse na oferta de patrocínio. Contudo, não é o que acontece.
A Sherwin Williams tem sido, ao longo da última década, a única empresa a investir no futebol feminino da Jamaica. Seu suporte permite a transição das meninas dos campeonatos escolares, para o grupo principal. Além do apoio ao esporte, a empresa tem ajudado as atletas individualmente, com bolsas de estudo, treinamento de habilidades profissionais e oportunidades de emprego. A Sherwin Williams Women’s League conta, atualmente, com 12 times.
Mesmo com esse patrocínio, a situação do futebol feminino jamaicano é delicada. Está hoje, na 125ª posição no ranking da Fifa, e busca o feito inédito de se classificar para a Copa do Mundo de Futebol Feminino, que será realizada no Canadá, em 2015. Para tanto, as Reggae Girlz, como é a chamada a seleção nacional, iniciou uma campanha para arrecadação de fundos, cuja a embaixadora é Cedella Marley, filha do cantor Bob Marley.
A arrecadação está sendo feita através do site GoFundMe e conseguiu, até o momento, cerca de 155 mil dólares, dos 750 mil necessários. Para cada doação de até 5 mil dólares a Marley Foundation, que pertence à família Marley, doará o dobro do valor, bastando que o doador cite a entidade após confirmar o donativo.
Se o montante não for alcançado, a equipe poderá ficar de fora das eliminatórias por falta de verbas para custear hospedagem e transporte, entre outros. “É uma pena, porque muitas mulheres jovens receberam bolsas escolares para a faculdade, baseadas em sua habilidade atlética. Essa educação dá poder não só a elas, mas também para nossa nação como um todo”, afirmou a filha de Bob Marley.
A próxima etapa de classificação acontece em outubro. Mais do que torcer pelas Reggae Girlz será preciso torcer para que o futebol feminino jamaicano vença os desafios que têm atrapalhado seu desenvolvimento.