Alegria e tristeza. Orgulho e vergonha. Sentimentos contraditórios diante da vitória do tenista Dustin Brown frente a Rafael Nadal no último dia 2 de julho, na segunda rodada do torneio de Wimbledon. Várias manchetes deram destaque à notícia, sempre enfatizando que um ex-jamaicano vencera um campeão. Ex-jamaicano? Sim, esta é mais uma daquelas histórias que nós, brasileiros, conhecemos bem: atletas talentosos que se vêem obrigados a competir por outro país para buscar um avanço na carreira.
O caso de Dustin é bem interessante. Ele nasceu na Alemanha, em 1984, filho de pai jamaicano e mãe alemã. Eles se conheceram na Jamaica e depois se estabeleceram em Celle, uma pequena cidade próxima a Hannover. Quando criança, Dustin Brown praticou, além de tênis, futebol, handebol e judô. Aos oito anos de idade, achou que já era hora de se concentrar numa só modalidade e optou pelo tênis. Começou a treinar com Kim Wittenberg, americano e dono de uma academia de tênis perto de Hannover. Tudo levava a crer que sua carreira teria início na Alemanha.
Porém, a vida não estava fácil para a família de Brown naquele tempo. Com pouco dinheiro, ficava difícil custear um esporte como o tênis. Quando o garoto tinha onze anos, mudaram-se para a Jamaica. Sem um técnico e sem a infraestrutura necessária, Dustin passava a maior parte do tempo batendo bola com amigos que fez nas quadras.
Olhando para trás, apesar das dificuldades, o tenista acredita que a mudança de país lhe fez muito bem. Sua vida modesta na Alemanha lhe permitia ter, por exemplo, TV a cabo e um Game Boy. Na Jamaica, pôde perceber que seu padrão de vida anterior era bem melhor do que a média local. Isso teve reflexo em sua maneira de encarar a vida, de atribuir valores ao que realmente é importante e influenciou diretamente seu comportamento em quadra, tornando-o mais centrado.
O tênis na Jamaica não é exatamente um esporte popular, nem tampouco incentivado de alguma forma. No início dos anos 2000, a ilha sediava eventos da categoria Futures, a mais básica dos torneios profissionais. Assim, embora gastasse pouco, Brown também ganhava muito pouco e acumulava poucos pontos para o ranking. Nessas condições, sua carreira parecia fadada ao fracasso.
Em 2004, os pais de Dustin tomaram uma decisão que deu à sua vida contornos de um road movie. Voltaram para a Alemanha, tomaram um empréstimo e deram ao filho uma van grande, equipada com três camas e um banheiro. A ideia era possibilitar viagens por toda a Europa, com o mínimo de custos, aumentando sua participação em torneios de maior relevância.
Durante cinco anos Brown levou uma vida nômade. Um tenista nômade. Trocava de cidade quase todas as semanas, cozinhava para si mesmo, ganhava um dinheirinho encordoando raquetes para outros tenistas – pois tinha uma máquina própria em sua van – ou até alugando uma de suas camas extras para outros atletas tão duros quanto ele. Felizmente, seu desempenho nas competições era bom o suficiente para que os prêmios financiassem o combustível.
O começo da virada na carreira de Dustin Brown foi em 2009, quando ele chegou às finais de alguns eventos Challenger – um nível acima dos Futures. Pôde finalmente aposentar a van e, no ano seguinte, alcançou seu objetivo ao tornar-se profissional: conseguiu a primeira colocação de dois dígitos no ranking mundial.
Aqui, vale voltar ao parágrafo inicial deste texto. Até 2010, Brown, que possui dupla cidadania (é alemão e jamaicano), competia pela Jamaica. Sendo um esporte abaixo de qualquer prioridade na ilha, o tenista sofreu com a falta de recursos da federação local, de quem recebia, no máximo, cumprimentos após sua participação em torneios. Nem mesmo a imprensa jamaicana noticiava seus resultados.
Desde então, Dustin Brown, agora ex-jamaicano, tem competido como tenista alemão. Em 2013, venceu o campeão Lleyton Hewitt, em Wimbledon. No ano seguinte, no torneio alemão Gerry Weber, derrotou Rafael Nadal por dois sets a zero. Nesta semana, repetiu a vitória sobre o mesmo rival, por três sets a um, em Wimbledon, sendo o primeiro tenista vindo das Qualifying Series a derrotar Nadal num torneio do Grand Slam. Honrando sua ascendência britânica (seu avô paterno era britânico), quadras de grama são as suas favoritas.
Apesar do progresso que tem feito, para Brown ainda é difícil bancar suas despesas como atleta. Ao contrário de esportes como o futebol, um tenista numa posição próxima ao centésimo no ranking não é propriamente um milionário.
Cabelos dreadlocks no estilo rastafári e uma grande tatuagem do cantor de reggae Dennis Brown no corpo, o atleta que se autointitula DreddyTennis no Twitter é motivo de alegria e orgulho para o povo jamaicano, que vê um compatriota vencer tantos desafios para alcançar um ideal. Infelizmente, é também motivo de tristeza e até vergonha, pois vê-lo assumir a cidadania alemã por total falta de apoio faz lembrar que a Jamaica, a exemplo do Brasil, está a anos-luz de países desenvolvidos no que diz respeito às políticas de incentivo ao esporte.