Diferente de tantos “professores”, como gostam de ser chamados os técnicos de futebol no Brasil, René Simões não foi jogador profissional. Carioca, de Cavalcante, subúrbio do Rio de Janeiro, René foi menino pobre, jogava futebol nas ruas, como tantos outros meninos, mas se julgava merecedor de um futuro melhor.
Passou por alguns times na categoria júnior, mas percebeu que o tal futuro, para ele, não estava ali. Cursou faculdade de educação física, foi treinador de categorias de base de alguns times cariocas e, em 1982, começou sua carreira internacional, nos Emirados Árabes. Treinou o Vitória de Guimarães, em Portugal e depois foi técnico da seleção brasileira sub-20, chegando com a equipe ao 3º lugar no mundial da categoria. Ainda trabalhou por mais alguns anos no Brasil, até que em 1994 assumiu uma tarefa das mais difíceis: dirigir a seleção jamaicana, com o objetivo de classificá-la para o mundial de 1998, na França.
A tarefa era difícil pelo ineditismo, uma vez que a Jamaica nunca havia conseguido classificação, e também pela própria cultura do país, onde o cricket era o esporte mais popular. E por que René Simões? Por seu currículo diferenciado e por questões políticas.
Já nos anos 1990, o Brasil buscava uma vaga no Conselho de Segurança da ONU (algo que ainda não conquistou). Para ganhar votos dos países caribenhos, o Itamaraty ofereceu projetos de cooperação técnica em várias áreas e a Jamaica optou pelo futebol. O problema eram as exigências.
Queriam alguém que pudesse ser o gestor do futebol no país e, para tanto, além do domínio da língua inglesa, era preciso ter curso universitário e passagem pela seleção brasileira. Bingo! René Simões era o cara! Mas ele não queria ir. Já havia estado na Jamaica, para um amistoso, e sabia que as condições de trabalho seriam muito difíceis.
Quando o presidente da Federação Jamaicana de Futebol, Horace Burrell, veio ao Brasil para escolher o treinador, René conversou com ele, reiterou sua recusa e expôs 10 pontos que considerava fundamentais para que o trabalho pudesse ser realizado. Entre esses pontos estavam patrocínios de uma companhia de alimentação, companhia aérea para transportar o time, uma concentração permanente e muita firmeza no comando.
Horace Burrell ainda entrevistou outros treinadores, mas queria René Simões, de qualquer forma. Foi preciso que o Itamaraty intercedesse e convencesse o técnico. René Simões assumiu o futebol jamaicano como um todo, das categorias de base à seleção principal.
Além da falta de tradição, do futebol ser considerado um esporte dos pobres, René Simões deparou-se ainda com estranhas regras impostas pela Federação. A pior delas estava relacionada aos cabelos: os jogadores precisavam cortá-los bem curtos, algo totalmente contra a cultura do jamaicano. Também eram cobrados por penteá-los, sendo que ao não fazê-lo, ficavam fora do treino. René determinou que os cabelos passariam a ser uma opção pessoal, não podendo, apenas, atrapalhar a visão.
Houve, ainda, a dificuldade em reunir os jogadores. Muitos trabalhavam em outras funções, na maioria das vezes, em hotéis. Buscou, na Inglaterra, jogadores filhos de jamaicanos, que por não terem sido escalados para a seleção inglesa, puderam integrar a seleção jamaicana.
Foi um trabalho árduo. O individualismo era uma característica muito marcante. Segundo o próprio René, isso seria fruto da escravidão, que isolou os negros, não lhes permitindo desenvolver um senso de colaboração. Entretanto, ao enxergarem no futebol um trabalho, a entrega era total.
Formada a equipe, o técnico conseguiu apoio da Federação Jamaicana e criou o projeto “Adote um jogador”, visando atrair patrocínio para os atletas. Conseguiu adesão de grandes empresas como Shell, Citybank e Burguer King.
Atletas, patrocínio e um eficiente esquema tático classificaram a seleção jamaicana para a Copa de 1998. Nas eliminatórias, num total de 20 partidas, venceram 11, empataram 6 e perderam 3. Tiveram 24 gols marcados a seu favor e 15 sofridos.
A Jamaica foi eliminada já na primeira fase da Copa, vencendo apenas o último jogo, contra o Japão.
Dez anos mais tarde, René Simões voltou à Jamaica para tentar nova classificação, para a Copa de 2010, na África do Sul, mas não obteve bons resultados. Apesar do futebol ter se desenvolvido muito nesse período, com a construção de estádios e profissionalização dos atletas, a maior dificuldade foi fazer de um grupo de jogadores, um time. A exemplo do Brasil, os melhores jogadores jamaicanos jogam no exterior e só se reúnem nas datas Fifa. Avanço social, mas perda para a seleção.
René Simões segue admirado na Jamaica não apenas pelo feito conquistado, mas por suas características, seu jeito simples de trabalhar. Sobretudo, René soube entender a cultura do país e lidar com as peculiaridades de cada jogador.