Eram os anos 1970. Numa pequena ilha do Caribe, uma certa erva era cultuada por muitos, utilizada por muitos, desejada por outros tantos, mas era ilegal. Um de seus grandes talentos musicais, Peter Tosh, cantava que “era preciso legalizá-la e não criticá-la”, naquela que ficou conhecida como uma de suas principais canções: Legalize It (ouça a faixa abaixo).
Tão distante da Jamaica, lá na Europa, nos mesmos anos 1970, um pequeno país liberava o uso da erva para maiores de 18 anos, em certos coffee shops. E essa foi a história, por muitos e muitos anos. Peter Tosh continuou tentando, compôs outra canção, falando mais especificamente sobre os benefícios da erva para a saúde, mas de nada adiantou. A Jamaica ainda conviveria com esse dilema por mais 40 anos.
Muito depois da Holanda, somente nos anos 1990, outros países começaram a mudar de opinião sobre a maconha. Num primeiro momento, passaram a tratá-la como questão de saúde pública. Ou seja, ao ser pego consumindo a erva, o indivíduo era encaminhado para tratamento médico e não mais preso. “Sem mais humilhação ilegal ou interrogatório policial”, como pedia o cantor, desta vez em Bush Doctor .
Lá pelos anos 2000, o assunto evoluiu ainda mais e a posse e o consumo pessoal de maconha passaram a ser aceitos em muitos países. Hoje, Espanha, Portugal, Grã-Bretanha, Itália e Alemanha, além da Austrália, têm leis mais modernas e, em certos casos, estabelecem quantidades e locais onde se pode consumir. “Não é mais necessário fumar e se esconder, quando você sabe que está fazendo um passeio ilegal”, continuava a letra de Bush Doctor.
Na América Latina, Argentina, Chile, Colômbia, Peru e Venezuela também enxergam a maconha de maneira semelhante ao que acontece na Europa. O grande salto foi dado mesmo pelo Uruguai, onde a legislação é ainda mais abrangente. Lá, o cultivo para consumo próprio é permitido e a venda – apenas para usuários cadastrados – é controlada pelo governo, através de uma rede de farmácias.
Em Israel e no Canadá, a maconha é permitida apenas para fins medicinais, sendo que neste último é permitido o cultivo aos usuários que possuam receita médica. Já nos Estados Unidos, a legislação difere entre os estados, sendo que muitos permitem apenas o uso medicinal e outros aprovaram, também, o uso recreativo.
Uma tendência que deve seguir pelos Estados Unidos e pelo mundo e que recentemente fez com que a família do maior ícone jamaicano, Bob Marley (outro grande entusiasta e defensor do consumo de maconha, ou ganja, como é chamada na ilha), lançasse a Marley Natural, primeira marca global de Cannabis e produtos derivados da erva (leia mais em Família Marley anuncia a primeira marca global de Cannabis). Aqui no Brasil, a maconha continua sendo ilegal, porém, o canabidiol, derivado dela, foi recentemente liberado para uso medicinal e de forma controlada.
Finalmente, chegamos à Jamaica. Depois de anos de longas discussões, foi aprovada no último dia 14 de fevereiro uma lei para descriminalizar a posse de até 57 g de maconha. Além disso, os adeptos do movimento rastafári, para o qual a erva é considerada sagrada, poderão utilizá-la em seus rituais. O uso medicinal também será regulamentado e será permitido o cultivo de até 5 plantas.
Possivelmente, esse seja apenas o começo de uma abertura na maneira como a Jamaica passará a lidar com a maconha no futuro. Sábio ou visionário, Peter Tosh defendeu essa mudança com base em argumentos que, de fato, vêm se provando verdadeiros. Quem sabe ele estivesse certo também em relação ao aspecto econômico e então, daqui a alguns anos, veremos a pequena ilha onde a erva se desenvolveu tão bem, tornar-se um grande exportador e lucrar de forma legal com sua comercialização. Afinal, em se tratando de Jamaica, ela de fato “pode fortalecer a sua combalida economia e eliminar sua mentalidade servil”, já avisava o músico, novamente em Bush Doctor.