O dancehall surgiu na Jamaica nos anos 1960, nas festas embaladas pelos sound systems. De lá para cá, passou por diversas fases, com letras ora mais sexualizadas, ora mais espiritualizadas e com canções mais ou menos dançantes. Nos anos 1990, machismo, sexo e homofobia eram temas recorrentes e por essa época, surgiram concursos para eleger a Dancehall Queen (DHQ), algo como a rainha do baile.
A primeira delas foi Carlene Smith, coroada em 1992. O sucesso do evento fez com que se tornasse oficial e passasse a existir anualmente a partir de 1996, sempre realizado em Montego Bay. O ritmo e a dança, talvez mais facilmente propagados pela internet, caíram no gosto de muitos outros países e, atualmente, são realizados concursos semelhantes nos Estados Unidos, na Europa (Alemanha, Finlândia e Itália, por exemplo) e também na Austrália e no Japão.
Do Japão, aliás, veio a vencedora do concurso internacional de 2002. Junko Kudo foi a primeira não jamaicana a vencer e sua conquista estimulou inúmeras outras dançarinas a participar, tornando a competição de interesse mundial.
Contudo, assim como acontece com as dançarinas de funk no Brasil, as dançarinas de dancehall jamaicanas sofrem preconceito. Além da dança ser extremamente sexualizada, os figurinos são sempre muito justos, curtos, decotados e, em geral, resultam em pouca roupa em corpos com muitas curvas.
Além das reclamações de pais que não querem ver suas pequenas garotinhas imitando o que veem na TV (qualquer semelhança com nossa Anita não é coincidência), há uma discussão um pouco mais complexa por trás de tudo isso. Essas mulheres estão sendo submissas ao sobreviver a partir da exposição de seus corpos para o público masculino ou, ao contrário, têm absoluto controle da situação por atrair e manipular massas de marmanjos?
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O assunto é polêmico e por isso mesmo ótimo tema de discussão. Tanto é que já gerou vários filmes e documentários, dos quais vamos destacar dois. O primeiro é “Dancehall Queen”, um filme mais antigo, de 1997, que conta a história de Marcia Green, uma mãe solteira que trabalha como vendedora ambulante e tem dificuldades para criar duas filhas adolescentes. Além disso, Marcia enfrenta problemas com dois homens: Larry – uma espécie de tio que, além do gosto por armas, está de olho em uma de suas filhas – e Priest – o assassino de sua amiga. Marcia cria, então, uma nova versão de si mesma e sob a identidade de Mystery Lady participa de um concurso de dancehall, conseguindo colocar os dois homens um contra o outro.
O filme conta com a direção do britânico Don Letts, que além de cineasta é músico, DJ e já produziu inúmeros vídeos para bandas como The Clash, The Pretenders e Big Audio Dynamite.
O segundo é um documentário, cujo lançamento está previsto ainda para este ano. “Bruk Out!” é dirigido por Cori McKenna, editora da HBO, e segue seis das melhores DHQs do mundo, vindas do Japão, Itália, EUA, Polônia, Espanha e, é claro Jamaica, enquanto elas se preparam para a maior competição mundial de dancehall.
Cada uma delas tem sua história pessoal e suas próprias razões para ter entrado no mundo do dancehall. A espanhola Raquel, por exemplo, aturava um marido violento, até que decidiu trocar a dança moderna pelo ritmo jamaicano. Bianca, a dançarina da Jamaica, é um tipo plus size e diz não sentir preconceito em seu país, ao contrário do que acontece nos EUA.
Segundo McKenna, algo que lhe chamou a atenção entre as protagonistas do filme foi o clima de total respeito e admiração mútuos. Apesar de estarem numa competição, são abertas e receptivas tanto entre si, quanto com o público que lhes assedia. Sua grande dificuldade, porém é falar de si mesmas, de sua intimidade. Talvez, seja uma forma de resguardarem o poder que estão começando a conquistar a partir do dancehall.